A HISTÓRIA DO INCENSO KÁLI-DANDA
COMO COMECEI A INVESTIGAR
Quando jovem exagerei no uso do incenso comum e, como todos continham muitas substâncias químicas, intoxiquei-me. Quando me recuperei, fiquei com a seqüela de uma hipersensibilidade. Por mais que trocasse de marca, voltava a sentir os mesmos sintomas. Até que num dado momento, já havia testado todos os que conseguira encontrar. Não adiantava. Eram todos iguais e a manifestação de sua toxidez variava pouco. Uns davam mais dor de cabeça, outros mais náuseas, outros mais irritação nas vias respiratórias…
Comecei então a estudar na Biblioteca Nacional tudo o que consegui encontrar sobre incenso em livros de química, medicina, perfumaria, magia, história e até arqueologia. Fui à Índia visitar fábricas de incenso e institutos de botânica. As descobertas foram decepcionantes e alarmantes.
O incenso verdadeiro, antigo e natural, era um produto medicinal, bom para a saúde, mas tão caro que nenhuma indústria podia utilizá-lo. Constituía um privilégio dos reis e altos sacerdotes das antigas civilizações. Haja vista a passagem bíblica que relata os presentes levados pelos Magos a Jesus como pújá por ocasião do seu nascimento: ouro, incenso e mirra! As resinas de incenso e mirra são os principais componentes das fórmulas da antiguidade e foram mencionados em pé de igualdade e de valor com o próprio ouro.
Devido ao elevado custo dessas gomas, os fabricantes de incenso deixaram de utilizá-las e passaram a empregar substitutos baratos e inócuos ou até mesmo tóxicos. As fórmulas, atualmente, são variações em torno da que se segue:
1) um veículo para queima (serragem de madeira, papel, excremento de vaca, ou qualquer outra coisa que queime, não importando o seu efeito);
2) uma cola para dar liga (goma arábica, laca, adragante, breu, cola de amido, colágeno de boi, etc., não importando o seu efeito ou toxidez);
3) um corante verde, vermelho, roxo, etc. (geralmente anilina ou outra tinta);
4) um perfume, geralmente químico (não importando sua toxidez).
Pergunto ao leitor, que efeito pode ter tal fórmula? Que efeito pode ter a queima de serragem, cola, anilina e essência química? Se é só para perfumar, melhor seria usar um borrifador e não queimar nada. Ainda por cima, muitas essências hoje são feitas à base de óleo extraído do petróleo que, queimando, libera monóxido de carbono, o qual é tóxico! Sem falar na queima das colas e corantes altamente tóxicos. Além disso, é contrasenso chamar varetas de incenso a um produto que não contém resina de incenso em sua fórmula. Tem tudo, menos incenso.
O mais paradoxal é que são justamente os ecologistas e naturalistas que mais consomem tais produtos extremamente intoxicantes, antiecológicos e agressivos ao meio ambiente!
Tão logo descobri todas essas coisas, parei de utilizar os incensos que havia à venda nas lojas e comecei a queimar as ervas e resinas indicadas pelos antigos alfarrábios, diretamente sobre brasas. Acontece que dava muito mais trabalho preparar as brasas num turíbulo do que acender uma vareta; também fazia muita sujeira, produzia fumaça em excesso e ainda terminava por obrigar o consumo de mais material, o que encarecia bastante.
Era necessário que encontrasse uma solução mais prática e cujo custo fosse viável. Consultei vários químicos, botânicos, ocultistas, mas a ajuda que eles deram foi pequena. A arte de fazer incenso verdadeiro estava perdida.
Então, apelei para o Mestre. Utilizei as técnicas de meditação que já tinham dado certo noutras ocasiões e fixei a mente na idéia de encontrar uma solução para a fórmula do incenso. Bhavajánanda, como canal de contato com o inconsciente coletivo, poderia me conduzir a essa solução.
Não demorou e ela surgiu tão clara e lógica como se sempre a tivesse sabido e necessitasse apenas de uma alavancagem psicológica. Por outro lado, uma coisa é ter a fórmula na cabeça, outra bem diferente é saber como realizar cada etapa da alquimia das matérias-primas, à qual, só a prática pode conferir domínio perfeito.
Restava, portanto, começar as infindáveis experiências que marcaram essa época. Cada vez que, novamente, dava tudo errado, tinha vontade de desistir, pois o preço do material posto fora era desanimador. Contudo, continuava, impelido pela obstinação em achar o processo.
Comecei por dominar a técnica do solve. Faltava a do et coagula. Tentei utilizar o elemento ar, mas não dava certo. Experimentei o fogo. Pareceu melhor. No entanto, havia substâncias inflamáveis na fórmula e o fogo podia explodir tudo. Só descobri isso quando um dia fui ver se as varetas já estavam secas e abri o forno um pouco antes da dissipação dos vapores inflamáveis. Ao abri-lo, entrou oxigênio, o comburente que faltava, e a coisa toda explodiu na minha cara!
Lembro-me até hoje da visão estarrecedora que foi contemplar o surgimento repentino de uma língua de fogo enorme, bem diante dos meus olhos: o deslocamento de ar atirando-me para trás, o calor, o cheiro dos meus cílios, sobrancelhas, barba e cabelos queimados, e a sensação de que talvez tivesse ficado cego. Mas não fiquei.
Com o passar dos anos levei outros sustos semelhantes, porém, acabei me habituando. O primeiro foi o pior. Finalmente consegui concluir o processo todo, desde a escolha das matérias-primas importadas da Índia, Nepal, Egito, Somália, Etiópia; a combinação dos componentes na proporção ideal e pelo método correto (qualquer erro para menos prejudica o aroma; para mais, não queima); até a solidificação e secagem final sem evaporação para não perder a fragrância natural das resinas.
Quase intuitivamente fui adicionando ou suprimindo determinados componentes. Assim foi com o sal. Ao trocar impressões com vários outros fabricantes de incenso da Índia, todos ficavam aturdidos quando eram informados de que eu utilizava esse componente. Faziam uma cara de quem não estava entendendo nada e perguntavam:
– Mas para que o sal se não ajuda na liga, nem no aroma, prejudica na secagem e ainda atrapalha com a presença dos seus cristais quebradiços?
Não adiantava explicar. Estávamos falando de coisas diferentes. Eu queria produzir um incenso iniciático, forte, poderoso, rico em efeitos positivos e isento de toxidez, mesmo que custasse mais caro e exigisse uma manipulação mais trabalhosa, afinal estava produzindo para nosso próprio uso e para o dos nossos discípulos. Os fabricantes, por sua vez, precisavam produzir algo que fosse fácil e barato o suficiente para estimular o consumo em larga escala a fim de que desse lucro, pois essa é a razão de ser de qualquer indústria. Então todo componente supérfluo que pudesse ser dispensado seria um custo a menos, o que conduziu à excessiva simplificação e mesmo à deturpação das suas fórmulas.
Vi que não tinha o que aprender com eles. Desisti do intercâmbio e continuei fazendo nosso incenso de fórmula excelente e caríssima. Minha saúde valia o preço.
Certo dia, na década de 70, uma aluna de São Paulo que participava do nosso curso na Faculdade de Ciências Biopsíquicas, declarou que tinha em seu poder alguns objetos encontrados em escavações arqueológicas no Egito por um parente seu. Ela estava apreensiva com a eventual maldição dos faraós e queria livrar-se deles. Perguntou-me se os queria. Não tenho nenhum interesse especial em coisas do Egito, mas quando soube do que se tratava, aceitei logo todo o lote. Havia amostras de incenso com mais de 3.000 anos! Isso me interessava.
O resultado da análise desse incenso foi emocionante. A fórmula dele também continha sal, carvão e as mesmas resinas da nossa, numa proporção bem semelhante. Como é que eu havia chegado ao mesmo resultado no século vinte, e quase sem fontes de referência? Só podemos atribuir isso ao inconsciente coletivo.
Aí tive uma idéia excitante: dissolvi uma parte do incenso do faraó em uma boa quantidade de álcool e, simbolicamente, passei a colocar uma gota dessa solução em cada partida de incenso que fizesse. Com isso, podia considerar que nosso incenso tinha, a partir de então, partículas de um incenso preparado pelos sacerdotes do antigo Egito, há mais de três milênios! Um princípio homeopático!
A descoberta proporcionada pela análise do incenso egípcio me deu vontade de pesquisar mais na literatura sagrada de vários povos. Tempos depois, entre outras descobertas interessantes, localizei uma referência no Velho Testamento, livro Exodus, capítulo 30, versículo 35, que diz:
“Farás com tudo isso um perfume para a incensação, composto
segundo a arte do perfumista, temperado com sal, puro e santo.”
(Bíblia católica, tradução dos Monges Beneditinos de Maredsous, Bélgica)
Novamente, a presença do sal.
Até aquela época ainda preparava o incenso só para nosso uso. Alguns alunos gostavam, perguntavam como poderiam obtê-lo e cedíamos sem ônus umas pequenas quantidades a quem se interessasse. Porém, o número de admiradores crescia todos os dias e muitos eram instrutores que, por conseqüência, precisavam de grandes quantidades para usar em suas aulas. Como o custo do incenso era alto, logo chegou o momento em que não pudemos mais oferecê-lo daquela forma. Fomos obrigados a estabelecer um preço e começar a vendê-lo. Assim, o nosso veio a ser o primeiro incenso nacional (na época havia mais três marcas que eram vendidas no Brasil, mas todas produzidas fora do país, duas delas embaladas aqui).
Nosso incenso Kálí-Danda ficava cada vez melhor e mais conhecido. Chegavam pedidos do Brasil todo e de outros países da América do Sul e da Europa. Devido à enorme procura, ele sempre foi um incenso constantemente em falta, o que o tornou mais disputado e contribuiu para consolidar a celebridade que hoje goza entre os conhecedores.
Para reforçar tudo isso, os ocultistas descobriram que ele limpa os ambientes com uma eficácia única. Sensitivos observam que esse incenso purifica e eleva o astral das pessoas e locais. Uma considerável gama de fenômenos indesejáveis cessa imediatamente com o seu uso. Os espíritas declaram que fica muito mais fácil realizar seus trabalhos queimando uma vareta do Kálí-Danda. Vários usuários nos informaram que recolhem suas cinzas e as empregam para friccionar a região dos chakras, com o propósito de estimulá-los. Outros servem-se delas como cicatrizante em ferimentos, aplicam para reduzir afecções de pele, espinhas, cravos, etc. Uma vez que esses usos não nos interessam, não procedemos a nenhuma pesquisa com o objetivo de confirmar sua eficácia para tais fins, e tampouco os sugerimos.
Não há produto bom e renomado que não seja logo imitado. Assim, surgiram muitas imitações baratas que não chegavam aos pés do original.
O instrutor, mais do que qualquer pessoa, está atento à qualidade do incenso, uma vez que vai ficar exposto a ele horas e horas, todos os dias. É fundamental que seja um produto puro e bom para a saúde, senão o instrutor é o primeiro a adoecer. Por isso, continuamos zelosos à rigorosa pureza e superior qualidade das resinas naturais, importadas das melhores procedências, bem como ao cuidado extremo na manipulação até o estágio final. O nosso incenso continua sendo um produto natural e artesanal.
Por outro lado, seus apaixonados admiradores precisam estar cientes de que um produto artesanal dificilmente sai igual duas vezes. Cada fornada tem uma personalidade própria e diferente de todas as anteriores. Varia no tempo da queima ou no perfume, na aparência exterior ou na rigidez da vareta. Muitos fatores contribuem para isso, mas um dos preponderantes é a origem da resina, pois as árvores da Somália produzem gomas diferentes das da Índia ou do Egito, conquanto tenham efeito similar.
Portanto, fica aqui um apelo do alquimista: não pergunte por que uma determinada partida está diferente de outra que você usou antes. Em vez disso, cultive o prazer de comparar as pequenas nuances de um ano para o outro ou até de uma década para a outra. Explore a propriedade do nosso incenso não estragar com o tempo, ainda que seja guardado sem embalagem durante anos. Como os bons vinhos, fica melhor com o envelhecimento. Se ficar úmido, basta deixá-lo um pouco ao sol. Pessoalmente costumamos queimar, de preferência, varetas com mais de dez anos. Sugerimos que você faça o mesmo. Não é difícil. Basta começar desde já a guardar uma reserva para envelhecimento. Depois é só usar os mais antigos e estocar os mais novos.
Texto extraído do Livro Tratado do Yôga; Professor DeRose
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